Etnias e Vinhos Ibéricos a partir da Idade do Bronze

A viticultura ibérica está mal documentada na Idade do Bronze. Rothmaler (1941: 323) considera que algumas castas devem ter‑se mantido em Portugal desde o Terciário até os nossos dias, contribuindo para o património varietal actual. É, também, muito limitado o conhecimento étnico dos povos da Ibéria do Calcolítico e bastante impreciso o dos da Idade do Bronze.

Relativamente ao consumo da população neolítica (Cultura da cerâmica cardial impressa), cuja presença é comprovada por 6.000 megalitos, não há quaisquer comprovativos fósseis. No 2.º milénio a. C. vieram os Iberos. No 1.º Milénio juntaram‑se os Celtas, os quais tradicionalmente tiveram ligação ao vinho: conheceram‑se as suas castas típicas: “Alodrogica“ e “Biturica“. Em Portugal integraram‑se no povo Lusitano. De forma vaga, sabe‑se que no 2.º milénio a Península Ibérica foi colonizada por um povo de cultura avançada. Cultivavam o vinho e dedicaram‑se ao comércio do mesmo (ibidem). Na descrição histórica moderna, esta cultura do sudeste da Ibéria, no final da Idade do Bronze, início da Idade do Ferro, entre os rios Guadiana e Guadalquivir, foi denominada Tartéssios. A capital foi Tartesso, a sul da Península onde iniciaram o comércio. Além do vinho, comercializaram ourivesaria, desde a Escandinávia até ao Próximo Oriente.

Na Bíblia (1.º livro dos Reis, 10:12f): “Sob o reinado do rei Salomão, Israel teve comércio com Tarschisch (Tartessos =Τάρτησσος)”. A riqueza em prata e ouro iluminou a antiguidade Tartéssia, como uma terra de El Dorado. Mais tarde, os Fenícios tomaram posse do império comercial dos Tartessos. Na Necrópole de La Joya, perto de Huelva, foram encontrados jarros de bronze, mas outras descobertas – segundo Juan Blánquez, Sebastián Celestino Pérez, (2000) –, também demonstram a viticultura dos Tartéssios. Minas pré‑históricas de cobre, ainda hoje existentes, atestam a importação de estanho, vindo das Ilhas Britânicas (Cornualha).

No século IX a. C., os Fenícios internacionalizaram o comércio de vinho em Ibiza e no antigo país dos Tartéssios (Andaluzia), e ainda do delta do rio Ebro, em odres de pele de cabra. Ânforas de barro e mesmo um jarro de alabastro de origem egípcia foram encontrados em Sexi (Almuñécar). Hidalgo (1999) acredita que os Fenícios, além das suas castas do Oriente, já seleccionavam as suas próprias castas regionais. Para Hidalgo, ainda existem referências à presença de comerciantes gregos de Kios, Mileto e Corinto. Cerca de 450 a. C., os Cartaginenses ocuparam a Península como sucessores dos Fenícios.

Quase todos os povos que ocuparam ou colonizaram a Península Ibérica conheceram o vinho e a sua grande importância económica. Sem dúvida, o pólo genético histórico da V. silvestris peninsular decorreu de um processo de melhoramento resultante da introdução, pelos ocupantes, de novas variedades que entraram directamente no encepamento nacional e ampliaram o espectro enológico por cruzamentos espontâneos. Temos de concordar com o postulado de Ferreira (1973: 186): «No caso da vinha, poderíamos mesmo saber as castas aqui introduzidas por povos mediterrâneos (…) Esta pergunta talvez um dia tenha resposta se a nossa juventude se interessar». O avanço da caracterização molecular internacional proporciona uma nova dimensão aos conhecimentos. Com a caracterização molecular das castas, entretanto conseguida, só falta atribuí‑las aos vários centros genéticos.

A cultura da vinha mereceu a atenção dos arqueólogos. Em Portugal, a expansão do género Vitis suspeita‑se desde há 6.000 anos (na fase final da cultura Cardial‑Impressa), com base em dados obtidos em Alpiarça, no vale do Tejo (Pais, 1989: 72). Fósseis de Vitis (pólen) foram datados do ano 4580 B. P., mas com densidade reduzida. Não exactamente da mesma época, existem pólenes de densidade superior (cerca de 33%), os quais também foram encontrados no Paúl dos Patudos (Alpiarça).

Desenvolveu‑se no Mediterrâneo oriental, a partir do 2.º milénio a. C., com boa qualidade, devido a castas de alto valor seleccionadas durante milénios, a partir do património genético de Vitis (E.) vinifera caucásica var. sativa (Vitis vinifera orientalisNegr.), o primeiro pólo genético vitícola  importante do ponto de vista económico. De início, os Fenícios (país bíblico de Canaã), negociantes e navegadores, comercializaram vinhos generosos das famosas castas Malvasia e Moscatel, cultivadas nas ilhas de Naxos, Creta, Rodes, Thira (Santorini) e Chipre. A importância da vinha era tal que serviu de inspiração para jóias (Fig. 23 – capítulo anterior). Como os Gregos passaram a controlar este negócio, adquiriram renome os vinhos designados por «Vinhos gregos», fama que se manteve até final da Idade Média.

Segundo Carvalho (1912: 13), «No tempo da guerra de Tróia (1184 a. C.) os Gregos tiravam avultados lucros da cultura da videira, sendo nesse tempo os vinhos de maior renome os de Marsonea, Cós, Creta (Candia), Lesbos, Esmirna e Chio». Os Fócios (Gregos) instalaram colónias na Sicília, Apúlia, Marselha e sul de Espanha, onde introduziram as “castas gregas” (ibidem).

A paisagem sofreu alterações nessa época, em que houve um decréscimo de pinheiros e de quercus relacionável com a ampliação das áreas cultivadas (Leeuwarden & Jansen, 1985).

Seguramente, houve utilização de uvas de mesa e de passas para a produção de vinho (Barros, 1998). Esta fase coincide com as culturas neolíticas que se instalaram em larga escala na Ibéria. Tais ocorrências podem estar relacionadas com a revolução agronómica, a sedentarização humana e da fauna e flora que a acompanhava, onde a videira sempre se destaca com a sua fácil capacidade de propagação, espontânea ou provocada.

Segundo Amaral (1994: 325), «…no período arqueológico do Bronze (de 1500 a 700 a. C.), encontravam‑se grainhas de uvas e sarmentos de videira carbonizados, muito antes da chegada dos Romanos». O geógrafo romano Rufo Festo Avieno (400 a.C.), nas suas publicações Periplo Massalito e Ode Marítima, descreve detalhadamente a paisagem ibérica, incluindo as vinhas desse tempo. Também menciona as descrições dum navegador grego. Fonseca (1941) refere Estrabão como fonte desta tese.

No final da Idade do Bronze, as ligações entre o mundo ocidental e o oriental eram asseguradas pelos navegadores fenícios e, posteriormente, pelos gregos, com base em comerciantes orientais, de passagem, na sua maioria fenícios (de Ardos, Biblos, Sidón e Tiro, no pais de Canaã). A actividade em feitorias próprias, ou a simples presença deste povo são referidas em quase toda a Península. Em Gádir (Cadiz), Malaka (Malaga), Sexi (Almuñécar) e Abdera (Adra), em Espanha, instalaram as suas dependências comercias. Em Portugal, encontrou‑se grande volume de grainhas em Almaraz (Almada, frente a Lisboa), do século VII a. C.. Uma prova da presença fenícia são as peças de ourivesaria encontradas no Tejo (ver Fig. 23 – capítulo anterior). Aos Fenícios seguiram‑se os Gregos, com a instalação das suas missões de comércio.

A partir de 800 a. C. desenvolveu‑se, a norte de Roma, na Itália (hoje, Toscana), uma cultura evoluída, a primeira já urbana, do ocidente: a dos Etruscos. Constituiu um elo de ligação entre os povos mediterrânicos cultos e os então chamados «bárbaros» da Gália e da Ibéria. A viticultura etrusca está documentada, por exemplo, em frescos e na decoração de ânforas artesanais.

O vinho profissional, produto desconhecido mas muito procurado na Gália, foi importado em grande quantidade do porto de «Luc Long», perto de «Caera», para um porto, hoje desaparecido, junto de Marselha. Recentemente, foi noticiada a importantíssima recuperação do maior barco pré‑romano descoberto até hoje, a 60 metros de profundidade, na antiga península de Giens, na costa francesa. Este barco etrusco estava carregado com 600 ânforas de vinho, empilhadas em várias camadas, num sistema sofisticado e tecnicamente desconhecido, acompanhadas por pratos de bronze. A mercadoria destinava‑se à venda aos Gauleses. Pela análise da carga, obtiveram‑se conhecimentos fundamentais sobre o início da viticultura ocidental, independente da grega. Além disso, compreendeu‑se melhor o súbito sucesso do império Romano, não só na vitivinicultura. Consideram‑se castas etruscas derivadas de silvestris as actuais castas italianas Lambruschi, Trebbiano, Sangiovese e Montepulciano.

Espanha. Na Alta de Beniaquia, uma importante localidade de escavações perto de Denia (Valência), encontraram‑se vestígios da cultura fenícia; entre outros utensílios ligados à bebida, ânforas e lagares (séculos VI – IV a. C.).

Valência, devido à sua posição geográfica, desde muito cedo estabeleceu contacto com as nações com experiência marinheira e cultura marítima. Perto do Cabezo Lucero (Alicante) foram encontradas, em túmulos, peças de recipientes com provável utilização para consumo de vinho. (século V a. C.). O comércio de vinho e dos respectivos contentores, nesse tempo, foi um dos mais importantes segmentos do negócio grego, base da relação com esta região. A consequência foi a própria produção de vinha na região. Em Benimàquia (Dénia) foram escavados lagares do VII e VI séculos a. C., encontrando‑se grainhas fossilizados e ânforas, e ainda noutros lugares, com a mesma referência a gregos e fenícios. Em Los Morenos, Alcantarilla, Campo Arcís, e em El Campello de Monravana, Llíria, ainda foram encontrados lagares cavados na rocha. Juan Piqueras Haba fala de muitas referências à viticultura pré‑Cristã (bem como Juan Blánquez, Sebastián Celestino Pérez; 2000).

Na província espanhola de Castilla‑La Mancha, em Castillo de Doña Blanca, perto de Jerez de la Frontera, encontraram‑se grainhas de uvas fossilizadas, analisadas e datadas do século VII a. C.. A partir do século VI a. C., há diversos achados relativos à viticultura, p. ex., copos da necrópole de Villares (Albacete), tal como de Cabezo de Lucero (Alicante), Cancho Roano (no Guadalquivir) e em El‑Cigaralejo (Múrcia). A influência grega no século VI, em Albacete, parece ser de reduzida importância. A viticultura só mais tarde, com os Romanos, ganhou importância como factor económico significativo.

As primeiras referências à viticultura, documentadas por escrito, em território onde hoje é Portugal devem‑se ao romano Políbio (205 a. C. – 125 a. C.) que manifestou surpresa perante o preço competitivo dos vinhos lusitanos (Amaral, 1994: 327) – atributo infelizmente efémero. Pouco depois, o grego Estrabão refere, na sua Geografia (tradução de Pereira, 1878), que o consumo de vinho era limitado a pessoas importantes, como Viriato, «em grandes festins familiares, ou banquetes nupciais» (Veiga Ferreira, 1973: 183).

Ainda deve ser referido um artigo de Juan Blanques e Sebastián Celestino Pérez (2000), com uma relação de lugares pré‑históricos (ver fig. 32).

 

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