O Tempo da Ocupação do Império Romano

As castas vinícolas eram da maior importância no Império Romano, sendo cultivadas em Itália, de onde algumas eram exportadas para as colónias; outras eram importadas destas. Motivos relacionados com o vinho abundam em obras de arte (Figs. 37‑42). Há, também, vestígios de instalações industriais (Fig. 36).

Segundo Johnson (1999: 69), «Por alturas do século I d. C., as variedades davam muito que pensar aos Romanos, tal como hoje dão que fazer aos produtores da Califórnia ou da Austrália. Os melhores vinhos eram ainda os de tradição grega. Não tinha paralelo em qualidade a casta Amineum, de que existiam tipos e cujos vinhos Plínio descreve como muito encorpados e robustos, melhorando com a idade. Só outra casta se lhe aproximava: a Nomenta, mais resistente ao frio, com tronco de cor rosácea, cultivada para montante do Tibre, a Norte de Roma.

Por outro lado, cada vez mais se plantavam bacelos provenientes das províncias ultramarinas, a fim de conseguir produtividade mais elevada. As castas Balisca, de Espanha, e Biturica, de Bordéus, eram as mais promissoras, no entender de Columela. Alguns autores contemporâneos defendem que reconhecem, numa das variedades produtivas consideradas resistentes ao frio, a Arcelaca ou Argitis, ou seja, a Riesling “sem tirar nem pôr”. Johnson (1999: 73) considera como importadas da Grécia as castas Greco e Agliano, existentes na Campânia; e, com origem romana, as castas Fiano, Alopecis (Coda di Volpe) e Pedirosso. Dispomos de alguns vestígios desta época em Portugal, materializados por grainhas e bagos secos de Vitis vinifera (Silva, 1988: 16).

 

Vestígios da presença romana na Península Ibérica

Com a expulsão dos Púnicos da Península, a partir de 200 a. C., começou o domínio romano. Para facilitar este processo, toda a Península foi coberta com o sistema das calçadas romanas, o que teve como consequência um comércio sistemático. O país foi subdividido em duas províncias, Hispania Citerior e Hispania Ulterior. A Ulterior correspondia ao sul e oeste; a Citerior, ao norte, a região entre os Pirenéus e Gália, nesse tempo ainda independente (ver fig. 35).

Sob César Augusto, a Hispania Citerior foi denominada, no ano 27 a. C., Hispania Tarraconensis; e a Hispania Ulterior foi subdividida nas províncias Lusitania e Baetica. (No século V, o poder passou para as mãos dos Visigodos) .

A Ibéria significou, para os Romanos, um reservatório de ouro, prata e cobre, mas também de produtos agrícolas como azeite, cereais, sal, presuntos, cavalos e escravos. O vinho, além de ter feito parte do salário militar, era um importante factor de exportação e foi cultivado nos locais de presença romana.

A vitivinicultura romana foi diferenciada e avançada, como referiu Plínio (o Velho) e ainda outros autores. Muitas técnicas foram descobertas, ainda hoje em utilização: escolha das castas conforme clima e solo, eliminação de uvas podres ou verdes do material vínico, eliminação de produção excessiva, controlo da vegetação por poda em verde e, em caso de vinho especial, a eliminação do engaço antes da prensagem. Foram postas em prática técnicas para a melhoria da qualidade, como a maturação pós‑vindima sobre a ramagem, ou a técnica de torcer o talo da uva, ou a selecção de cachos e bagos de superior aspecto.

As uvas eram espremidas com os pés no lagar (ver fig. 43 a), depois prensadas em prensas com peso de pedra ou parafusos. A qualidade do vinho dependia significativamente da higiene e temperatura na transformação, condições muitas vezes difíceis de criar.

A técnica da cave é descrita pelo autor romano Plínio: “Nas uvas trazidas ao lagar foi possível reconhecer grandes diferenças na técnica de transformação.” Para a produção foram diferenciadas técnicas para vinhos caros, vinhos doces e pesados, ou vinho do dia‑a‑dia. Sabe‑se, desde M. P. Cato, que foi conhecida a utilização do enxofre, embora a fonte de informação original tenha desaparecido. Foi habitual fermentar as uvas, tintas ou brancas, sobre os engaços (Plínio). Assim, foi indispensável utilizar apenas uvas sãs. A moda dos vinhos brancos claros perdeu‑se, a favor de vinhos de coloração intensa. Uma outra técnica foi a concentração por evaporação do mosto (a partir de 17° de álcool, o mosto perde a capacidade de fermentar e o vinho mantém naturalmente a sua doçura).

Os Romanos falaram mesmo de diferentes tipos de concentração. Havia quatro tipos: sapa, reduzido para um terço; defrutum, reduzido para metade; carenum, reduzido para dois terços; e ainda um quarto tipo de concentração – passum. Estes métodos de conservação, servindo para o melhoramento qualitativo de outros vinhos, foram considerados de inferior qualidade, mas menos onerosos do que a técnica nobre do vinho de palha Diachiton, realizado conforme técnica acima descrita na própria vinha. Outra técnica, muito velha, foi a apotheca vinera – horreum vinarum, que consistia em efectuar um aquecimento, normalmente uma lareira, que aquecia o depósito de vinho, provocando a sua estabilização, bem como o apuramento do sabor, como se o vinho fosse fumado.

Columela, no livro Agricultura, tomo XII, descreve as técnicas de melhoramento do mosto acima descritas: Concentrar o vinho e, depois, deixar envelhecer um ano. Mais tarde, diluir com vinho novo. Descreve‑nos ainda outras formas da utilização de defrutum, incluindo a junção, ou de água do mar, ou de sal. A adição de ervas aromáticas foi uma técnica habitual.

Estes vinhos foram consumidos diluindo‑os com água. O conhecimento do tempo certo para a trasfega foi importante, bem como o tipo da levedura para evitar que o vinho se estragasse. A filtragem realizou‑se com panos (saccum vinarius). Para saneamento de vinhos defeituosos, utilizava‑se carvão de madeira picado, clara de ovo, sangue de boi, leite, goma de peixe (ictiocola) ou goma arábica. Uma outra técnica apresentada por Plínio (Plínio, XIV, pág. 20 e 24) foi a de refermentar o vinho com mosto fresco.

 

Em Portugal: O pioneiro das referências é uma personalidade eminente (Silva, idem): D. Frei Manuel do Cenáculo [Villas‑Boas] (1724‑1814), da Ordem Terceira da Penitência, confessor da Casa Real, Membro da Real Academia das Ciências de Lisboa, Bispo de Beja e, depois, Arcebispo de Évora. Foi pedagogo e reformador, historiador e impulsionador da cultura, fundador de bibliotecas, patrocinador de estudos árabes e um dos precursores da Arqueologia em Portugal, entre muitas outras facetas de uma vida riquíssima de acontecimentos e de resultados. Interessa aqui a sua referencia à ocorrência, em Roxo (Alvalade, S. Tiago do Cacém), de «bagulhos ressequidos de uvas» (Silva, ibidem).

A viticultura romana está documentada em todas as regiões do país. Pereira (1990: 58) refere «…a conservação de estruturas do torcularium» (lagar). Loureiro (1994) reconhece 84 «lagaretes escavados na rocha»; fragmentos de dolia (grandes ânforas) – Banha e Arsénio (1994) analisaram tipos de ânfora encontrados em Sellium – «permitem identificar claramente um espaço de produção vinícola na época romana». Barros (1994) refere mais de 50 «lagares de vinho e seus componentes». De facto, os Romanos exerceram influência significativa na nossa viticultura e encepamento, através da introdução das prensas para vinho, de castas e técnicas vitícolas.

Em Torre da Palma (Monforte, Alentejo) foram encontrados mosaicos representando bacantes e ânforas do século IV d. C., actualmente em exposição no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa. A utilização, para vinho, de recipientes de vidro está pouco ou nada documentada antes dos Romanos, época em que se tornou habitual.

Johnson (1999: 85) refere que, na Idade do Bronze (1500 a. C.) “surgiu a ideia de um vaso oco de vidro – provavelmente no Egipto. Em Portugal, os primeiros recipientes de vidro conservados apareceram com os Romanos.” Como alternativa, utilizaram ânforas de barro e outros depósitos de argila e cerâmica, de diferentes tamanhos, hermeticamente fechados por lacre, ou barricas de madeira.

A Estremadura, devido à capital regional Emeritas Augusta (Mérida), foi um centro agrícola importante nesta época. As margens do rio Guadiana garantiram a água na estação da seca e do calor.

Assim, encontra‑se nesta região uma larga documentação dos vestígios vitícolas romanos (ver fig 44 e fig 45). Para além destes vestígios romanos, perto de Badajoz (Oferenda da Capela n.º 6 de Concho Roana Zalemea de La Serena) foram encontrados fragmentos de cerâmica do século VI, provavelmente de origem grega (ver fig 29 – capítulo anterior).

É do século II d. C. o enchimento de um poço lusitano‑romano em Idanha‑a‑Velha, a outrora importante cidade da Egitânia, junto da via romana que assegurava a comunicação entre Emeritas (Mérida) e Bracara Augusta (Braga) – tema de uma publicação de Fernando de Almeida e Octávio da Veiga Ferreira, publicado em 1967. Motivos enológicos foram tema de obras de arte relacionadas com a morte (Fig. 38 e fig. 40). Cerca de meia dúzia de exemplares fazem parte das colecções do Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa. Johnson (1999: 83) afirma: «No decurso do séc. III, a ânfora foi substituída, como recipiente de transporte, pela pipa. Isto aconteceu quando o fluxo de trânsito do vinho, de Roma para as suas colónias, se inverteu e foram os Celtas que passaram a fornecer o vinho a Roma (…) Os materiais favoritos dos Celtas eram a madeira e o metal». O vinho era muito importante, bem como o vinagre dele derivado. Contraprova, se tal fosse necessário, é a ocorrência, no que pode ter sido um porto fluvial romano junto do rio Sado (Herdade da Barrosinha, Alcácer do Sal), de numerosos vasos de barro romanos que poderiam ser utilizados para armazenagem e/ou exportação de vinho.

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