Baixa Idade Média e Renascimento até à Filoxera

Após a queda do Império Romano e a do Reino Visigótico, o novo poder islâmico proibiu o comércio vinícola, que entretanto se desenvolveu muitíssimo em França e na Alemanha. Foi relevante o papel da Igreja neste domínio, até pela necessidade de vinho de missa, mesmo em regiões sem condições para a viticultura. Segundo Amaral (1992: 60), «o bispo de Cahors, S. Didier, entre 630‑647, enviou ao seu colega Paulo, bispo de Verdun, 10 tonéis de um valioso vinho. Teodolfo, bispo de Orleães cerca do ano 800, era conhecido pelo cognome de «pater vinearum».

Carlos Magno, unificador do Império dos Francos (771), dedicou‑se ao comércio de vinhos. Na Borgonha, a famosa vinha Corton Charlemagne corrobora o interesse da coroa pela viticultura. Na Alemanha, a vinha era cultivada em 817 abadias, como Lorch e Fulda (Amaral, 1994: 58). O filho de Carlos Magno, Ludovico «o Pio», herdeiro (pelo contrato de Verdun, no ano de 843) da região vitícola do Reno, continuou a obra do pai e promoveu a viticultura nos mosteiros. Foi sepultado no convento de Lorsch, importante centro vitícola da época. Nesta época, já eram conhecidas, na região, as castas Franken (Sylvaner), Heumisch e Alpen (Kleinberger). (Bassermann, 1907: 78.)

Desempenharam papel particularmente activo os monges beneditinos e cistercienses, e os bispos dos grandes centros. Seleccionaram grandes castas como Pinot, Riesling, Cabernet e Traminer, na Europa Central.

Portugal ainda não podia participar nesses desenvolvimentos, devido à ocupação muçulmana que, em parte, subsistia. Não parece que os islâmicos tenham proibido a produção de vinho, mas sim a comercialização, o que impedia a exportação. Por isso, a área hoje portuguesa só mais tarde entrou no enorme negócio do vinho, que viria a expandir‑se à escala intercontinental, apesar da viticultura ter sido sempre importante, o que é óbvio, também, se considerarmos a frequência das suas representações.

Especialmente os vinhos produzidos na cidade francesa de Beaune obtiveram grande fama na época medieval. As clos, vinhas cercadas por muralhas nas propriedades conventuais, ganharam reputação de alta qualidade. Com a moção e presença do Contra‑papa Clemente V (ano 1308) culminou a reputação destes vinhos. Outros grandes vinhos deste tempo foram o Tokai (Hungria) e o Johannesberger (Vale do Reno).

Na Baixa Idade Média aconteceu a maior inovação tecnológica na produção do vinho de qualidade dos nossos dias: Segundo Bassermann (1907: 335), já o romano Plínio referiu que Catão utilizou enxofre na produção do vinho, mas sem qualquer prova documental. Mais tarde, em 1465 (julgamento em Colónia), a utilização de enxofre foi considerada crime de intoxicação. Em 1487, foi autorizada, na Alemanha, a utilização de enxofre em quantidades muito pequenas. Por decreto real, esta norma foi mesmo confirmada no Parlamento do Reich, em 1497: «Vina quo casu sulphurari liceat».

O efeito conservante do SO2 permitiu manter a originalidade varietal com aromas específicos, em substituição dos conservantes tradicionais, tais como substâncias naturais ou químicas (algumas venenosas), imersão de correias de couro para melhorar o aroma e a cor (Bassermann, 1907: 318), aumento da concentração do mosto por fervura (Dioscórides e Galeno, gregos, citados por Bassermann, 1907:318), defumação no fuminarium (pelos romanos) ou na estabilização com a técnica da «apoteca» dos gregos (Columela, I, 6, 29), ou adição excessiva de mel, álcool, resina, frutos aromáticos ou produtos conservantes que falsificavam o sabor natural varietal, como a famosa Artemisia absinthium, ou o alúmen. Só depois da utilização do SO2 foi possível transportar e preservar o vinho «natural», iniciando‑se a verdadeira internacionalização da cultura do vinho de qualidade, com a respectiva consciência varietal, no sentido actual.

A selecção de castas foi uma actividade importante nos conventos beneditinos e cistercienses, mas também por acção de alguns bispos com interesse na viticultura, com bons resultados no Norte de Europa, durante a fase complicada da ocupação muçulmana na Ibéria – as grandes variedades Spätburgunder, Riesling, Cabernet – e Traminer na Europa Central. O vinho teve sempre o álibi do vinho‑de‑missa para estar presente nos conventos.

Com a elevada participação moçárabe e judia na população, este processo realizou‑se de forma menos oficial na Península Ibérica. Deste modo, Alonso Herrera (1513) já podia falar de castas, por exemplo a Torrentes e ainda outras. Mas é um facto que, na Idade Média clássica, a Península Ibérica não podia participar neste grande avanço da exportação do vinho. Os países ibéricos somente mais tarde puderam participar neste negócio sem perder a posição geral na agricultura.

Muito importantes para o progresso da vitivinicultura foram as ordens religiosas. No século XII, a ordem cisterciense instalou‑se em Portugal com 129 conventos (ver fig. 66). Reforçou significativamente o tecido vitivinícola português (em Alcobaça, por exemplo), através de investigação e expansão rural. Os conventos forneceram material vegetativo de várias espécies e também das variedades vitícolas seleccionadas pelos cristãos.

Infelizmente, uma intervenção de Barbosa (1994), apresentada num congresso da ISA, não foi publicada. Do ponto de vista cultural, Portugal não constitui excepção em relação a outras áreas europeias. A folha da videira, cuja beleza ultrapassa a dos fetos e o clássico acanto grego, aparece, como motivo ornamental, em finais do séc. XII – despontava o estilo gótico, que ia suplantando o românico –, constituindo a base decorativa do mais belo período da Idade Média. Trazida do Oriente, tornar‑se‑ia, na Gália, um item verdadeiramente nacional, que inspirou os escultores (Darcheville, 1998: 26). Para mais, revestia‑se de profundo significado cristão: Deus é o viticultor que pede ao Filho que visite a sua vinha. Cristo será, por sua vez, comparável a uma vinha, pois o Seu sangue era o vinho da Nova Aliança (Fig. 63).

 

PORTUGAL

As ligações, de longa data, entre Portugal e Inglaterra resultaram de interesses políticos e comerciais proteccionistas, em relação aos países vizinhos dos dois parceiros. Com o casamento, em 1387, do rei D. João I com D. Filipa, filha dos duques de Lencastre (Inglaterra), reforçou‑se esta ligação que já vinha sendo praticada, por exemplo, através de apoio militar (bes‑teiros ingleses) na Batalha de Aljubarrota (1385) ou do Tratado de Windsor (1386). Antes desta nova fase, o vinho de Bordéus dominava os mercados. Amaral (1994: 65) escreve: «Em 1308‑1309 Bordéus exportou 924.000 hl e a média nos primeiros anos deste século ultrapassou 750.000 hl!».

No processo de cerrar fileiras comerciais, Portugal iniciou a sua exportação de vinho para o mercado inglês e, muito depois, para o mercado americano (então colónia inglesa). Desde o terceiro quartel do século XIV, havia referência ao vinho português, enviado para os países hanseáticos, ou sujeitos a influência comercial da Hansa, para a Alemanha, Irlanda, Holanda e países bálticos (Lituânia, Estónia), sendo transportado em «vat, pipas, botes, vasos ou tonéis» (Marques, 1993: 82‑84).

A degradação da viticultura francesa, devida à Guerra dos Cem Anos (1337‑1436), e a ocupação turca das ilhas do Mediterrâneo pelos otomanos islâmicos cons‑tituíram uma boa oportunidade para Portugal entrar no mercado internacional do vinho. A partir de 1360, os Ingleses procuraram fomentar a importação, a partir de Portugal, não de vinhos de mesa, que podiam obter em França, mas de vinhos licorosos, especialmente das castas Malvasia e Moscatel. Estes, oriundos do património genético da Vitis occidentalis, eram então ainda designados, pelos comerciantes venezianos, como «Vinhos Gregos», também chamados Malvasia ou de Romania. «É possível, e até provável, que esse vinho chamado de Malvasia proviesse também, em parte, de território Português» (Zurara, 1915: 73).

As primeiras exportações foram de vinhos da região de Monção (Minho) e vinhos generosos oriundos de Lisboa.

O porto dos vinhos do rio Minho foi Viana do Castelo. No Minho exista viticultura há mais de 2.000 anos. Devido à distância do centro do poder árabe, na era muçulmana, Afonso Henriques, ao tempo da fundação do Estado português, já podia olhar para uma viticultura expandida. Os vinhos caracterizavam‑se por frescura e baixo grau alcoólico, e eram bebidos no ano seguinte à vindima, devido à falta de capacidade de armazenagem. A forma da condução em arbusto (em cima de arvores), usada na época romana (ver Fig. 69), existe ainda hoje em certas regiões periféricas. Esta forma de condução permitiu uma maturação fenólica sem o excesso de álcool de outras regiões.

Com uma situação geográfica favorável, Viana do Castelo desenvolveu‑se como um porto importante para a Exportação, sendo preferido pelos ingleses que aí instalaram as suas feitorias. Johnson (1999: 221) escreve: «Durante a guerra em França, os Ingleses instalaram‑se em Portugal com grandes privilégios legais e alfandegários, onde adquiriram vinho, tal como se fosse a sua própria terra.» Após 1660, havia três feitorias inglesas: em Lisboa, Porto e Viana. Em Viana trocaram bacalhau contra vinho, o qual foi transferido para Inglaterra; em Monção encontraram o melhor vinho, provavelmente já o Alvarinho (Johnson, 1999: 221).

Os Ingleses desde logo exploraram a Ibéria como fonte de vinho. Johnson (1990: 166) escreve: «…apareceu à venda nos mercados do Norte, em 1430, em consequência da passagem das embarcações por Lisboa: era o defunto «Osoye». Chegado, oriundo também de Portugal, foi o Bastardo». Ainda não se falava, nesse tempo, do Moscatel de Setúbal, apesar deste vinho dever ter sido idêntico ao Osoye. Não há nenhuma confusão em relação ao Osoye do séc. XIV. Marques (1992: 83) fala também de azoy, asoy, azoie, ansoye. Segundo Kuske (in Marques 1992: 83), «ansoye seria vinho de Lisboa, feito de uvas secas ou mesmo do bastardo, devido à sua cor incerta».

Era «o vinho doce da Azóia» (Dion, 1959: 321‑322), «um pequeno porto situado ao sul do rio Tejo, perto de Setúbal» (Johnson 1990; 166). Franco (1938: 6) escreve: «eram célebres os vinhos desta região pela sua esplêndida qualidade, apresentando tipos desde os mais ricos e generosos…». Isto permite concluir que a casta histórica que os Fenícios anteriormente levaram para Alexandria (Egipto) e Kelibia (Tunísia) também a trouxeram para Setúbal, dando aqui origem à produção de vinhos generosos «tipo grego». Apesar da destruição que esta terra vitícola sofreu, pelos Almorávidas (Jacub‑el‑Mansur), no séc. XII, recuperou algum tempo depois, devido a este excelente vinho generoso, com grande procura (Franco, 1938: 7).

O Vinho do Porto. Da Pré‑história, imagens esculpidas em pedra no vale de Foz Côa provam povoa‑mento humano no Neolítico. No Douro, já antes da colonização romana havia viticultura. Do tempo dos romanos, ainda há testemunhos de lagares escavados em pedra. No século XIII, existem documentos comprovativos do vinho Riba Douro. Os vinhos eram carregados em barcos e seguiam pelo rio Douro até aos portos do Porto ou de Vila Nova de Gaia. Ali se estabeleceram comerciantes, por exemplo, Afonso Martins Alho, o primeiro documentado. Esta posição especial, graças à situação inacessível da região vitícola, levou a um domínio dos mercados pelos Ingleses, causando grandes problemas. Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, ficou indignado com esta exploração unilateral: mais tarde, insurgiu‑se contra ela. Segundo ele próprio, «… os Ingleses que estavam no Porto, tinham acabado por arruinar inteiramente as cepas importantes do Douro, bem como a sua produção; que tinham reduzido o preço do vinho (…); que todas as principais famílias da província se viram reduzidas ao mais baixo grau de pobreza; e tanto assim era que se viram obrigadas a vender ou a empenhar os talheres com que comiam; que esta pobreza extrema e geral tinha causado a prostituição continuada das filhas dos proprietários e dos produtores».

O Marquês de Pombal, pressionado pela necessidade de dinheiro para a reconstrução de Lisboa, arrasada pelo terramoto de 1755, alterou os estatutos comerciais com a demarcação geográfica do vinho do Porto e o monopólio ‘real’ da Companhia Geral de Agricultura e Vinha do Alto Douro. Nos estatutos desta, foram garantidos o controlo de todas as exportações de vinho do Porto e a divisão das vinhas em duas categorias, a de vinho de «ramo», para exportação para o Brasil, e a de «feitoria», com os vi‑nhos de alta qualidade destinados aos mercados ricos do Norte da Europa, especialmente Inglaterra (Johnson, 1999: 227). Assim, conseguiu controlar rigidamente as quantidades produzidas, os preços mínimos e máximos, e ainda repor a imagem de qualidade do Vinho do Porto, que subsiste até aos nossos dias. Contudo, quase não houve referências às castas, como foi o caso do vinho da Madeira, permanecendo estas como um segredo profissional das feitorias (quintas) do Douro.

Também «o Algarve ao lado de Lisboa era um dos principais centros de exportação vinícola portuguesa, durante o século XV» (Marques, 1992: 84). Os vinhos do Alentejo foram transportados pelo rio Guadiana, desde de Mértola até Vila Real de Santo António, no Algarve, de onde eram carregados em barcos para o ultramar. Nesse tempo existia viticultura no Algarve.

Da Madeira há documentos sobre a primeira exportação de vinho (ano 1456 d. C.) para Inglaterra. Johnson (1999: 245) refere‑se a António Cordeiro (1717: 79). Do ano 1547 d. C. existem documentos de Hans Standen, referindo como produtos principais a viticultura e a cana‑de‑açúcar. Em 1578, Duarte Lopes descreve a produção de vinho como artigo de exportação da maior importância e ainda o cônsul francês, no ano de 1669 d. C., refere este sector como o da maior receita da ilha (A. Vieira, 2002: 1089). Com o casamento de Carlos II (Inglaterra) com a duquesa de Bragança, e com a guerra de Cromwell contra Espanha, os arquipélagos portugueses ganharam maior interesse para os ingleses. Num édito real de 1665, foi escrito: ”Wines of the growth of Maderas, the Western Islands or Azores, may be carried from thence to any of the lands, islands, plantations & colonies, territories or places to this majesty belonging, in Asia, Africa, or America, in english built ships.“ (A. Vieira, 2002:1091)

Após a melhoria qualitativa do vinho da Madeira, condicionado pela utilização de castas gregas, o vinho Malmsey (Malvasia) tornou‑se o favorito dos Ingleses. O Rei Afonso V, com visão, mandou adquirir plantas, entre outras, da Malásia, de Candia e de Creta (Cordeiro, 1717: 79). O madeira ganhou assim importância por substituição do vinho grego, beneficiando da situação favorável ocorrida pela ocupação otomana das ilhas do Peloponeso, no século XV. O mesmo êxodo, que ocorreu na Península Ibérica com a ocupação islâmica, repetiu‑se, desta vez a favor das regiões vitícolas da Ibéria.

Os países ibéricos passaram então a ser de grande importância no negócio mundial de vinho, substituindo os Doges de Veneza neste sector, com a queda de Constantinopla (ano 1453) e posteriormente dos Balcãs por Mehmed II. Os viticultores ibéricos conseguiram produzir vinhos generosos de forma natural, contrariamente à França e Alemanha. Os Moscatéis de Osoy, o vinho do Porto e o Madeira, o Sherry e o Málaga foram estreitamente orientados para este segmento do mercado. A longa duração da ocupação dos Otomanos evitou a reconversão do vinho grego como factor dominante no mercado, até hoje, e novas tecnologias de transformação e conservação, a favor de vinhos mais leves, alteraram a paisagem económica do vinho.

«Fazia‑se uma distinção entre os vinhos correntes de consumo e os Malvasias (…) Para os vinhos secos, Sercial era melhor (…). No meio, entre o melhor vinho doce e o melhor vinho seco, ficava o que era obtido com as uvas Bual ou Bagouale – que eram boas para produzir um vinho apaladado; e as uvas da casta Verdelho (também chamadas Vidonia) que davam vinhos mais tranquilos. Havia também vinhos muito bons, feitos com uva Moscatel e uma variedade chamada Terrantez. Os vinhos correntes eram feitos com uvas da casta “Tinta”» (Johnson, 1999: 247).

Com o avanço da navegação intercontinental, todas as ilhas ibéricas no Atlântico ganharam grande importância. Sendo escala obrigatória para reabastecimento de alimentação e água, o vinho tornou‑se carga adicional e de grande procura. Ingleses, Holandeses, Alemães e os próprios países ibéricos foram os melhores clientes do vinho das ilhas. Após a paz de Utreque, em 1713, os arquipélagos portugueses ganharam grande prestígio, enquanto as ilhas Canárias entraram em crise na venda do seu vinho. (A. Vieira: 1101)

A fama dos vinhos portugueses era tal, que o irmão do rei Eduardo IV, acusado de homicídio e condenado à morte, sendo‑lhe dada a escolher a forma de execução (por ser parente tão próximo do soberano), preferiu ser afogado num barril de vinho de «Malmsey». E não só. Na famosa peça teatral Henrique IV, Shakespeare deixa Falstaff vender a alma ao diabo por um cálice de Madeira, além de ainda referir, nas suas obras, vários outros vinhos portugueses.

Em consequência da perda da Gasconha e da região de Bordéus pelos britânicos (1236, casamento de Eduardo II de Inglaterra com Leonor de Aquitânia; 1453, perda do ducado de Aquitânia), e, finalmente, com a exigência dum enorme tributo alfandegário sobre os vinhos franceses pelo rei Guilherme III (1693), os comerciantes ingleses transferiram, em grande escala, os seus interesses para Portugal. Mais tarde, em 1703, a Inglaterra tentou regulamentar os interesses entretanto adquiridos em Portugal (exportação de têxteis, importação de vinho), através do Tratado de Methuen. Facto que determinou que 100.000 hectares (comunicação pessoal de F. Colaço do Rosário) de vinhas fossem novamente plantados, especialmente no Alentejo, embora apenas por pouco tempo.

Em resumo, no final da Idade Média, Portugal representou a maior força comercial do mundo. A marinha portuguesa controlou o negócio das especiarias, da seda e da porcelana, da Ásia até o Japão (Fig. 65). Na mesma época, desenvolveu‑se a exploração do Brasil, recorrendo a escravos provenientes de África. O vinho, e em muitos casos a videira, acompanharam esta actividade.

Portugal conseguiu manter a sua independência varietal vitícola, apesar de as nossas vinhas terem sido enriquecidas com castas seleccionadas, provenientes de outros países, através das migrações dos povos.

Assim, castas fenícias, romanas e gregas entraram nas nossas vinhas. Muito mais tarde, durante os 60 anos de domínio dos Habsburgos de Espanha (Filipe I, II e III de Portugal), vieram desse país mais algumas (Tabela 4).

A Inglaterra exerceu poderosa influência em Portugal após a dinastia dos Filipes, depois da restauração da independência, em 1640. «… As relações com a Inglaterra eram claramente unilaterais e muito próximas de um sentimento incómodo» (Johnson, 1999: 220).

A exportação do vinho de Portugal continental culminou com o Tratado de Methuen, o qual promoveu o acesso do vinho português ao mercado inglês, passando a ser o vinho de preferência inglesa. Infelizmente, com a «secularização» do século XIX, arderam ou perderam‑se quase totalmente os documentos dos cartórios dos mosteiros. Por este motivo, o nosso dinamismo vinhateiro dos séculos XIII a XVII não está suficientemente documentado.

 

ESPANHA

Rioja. Além de se saber que a viticultura já se iniciara antes dos Celtiberos e foi abundante com os Romanos, o primeiro documento com referência vitícola foi escrito por volta do ano 873, no qual se refere que o Cartulário de San Millán é doado ao convento de San Andrés de Trepeana. Nos caminhos para Santiago de Compostela, alguns conventos já se dedicavam oficialmente à produção de vinho de missa. Assim, é sabido que as vinhas de Nájera, em 1024, pertenceram ao Convento de Millán. Em 1102, o rei Dom Sancho I reconheceu a existência jurídica dos “Vinhos de Rioga“, apesar de somente em 1352 (Peñín, 2008: 39) ter sido referido, pela primeira vez, o nome da região vitícola. Na Logroño medieval, no caminho de Santiago (percurso francês), a região, devido à presença dos conventos, teve um desenvolvimento favorável (Fernando Andrés, 2000: 83). Existe um relatório muito detalhado, com um decreto real, no ano 1574, em que foi proibida a importação de vinho de outras regiões.

Em 1770, foi excluída a plantação de Cariñena, devido à reduzida qualidade, na zona, de solos férteis. Em 1650, pela primeira vez se refere a protecção desta denominação. Somente com o avanço industrial do século XIX, o vi‑nho de Rioja ganhou importância devido à instalação de diversas adegas de grande dimensão. Haro foi uma das localidades, depois seguiu‑se Logroño, com várias adegas. Bilbao desenvolveu‑se como porto de embarque. Nesta fase, o Marquês de Riscal foi uma das primeiras casas de importância. Como a filoxera en‑trou muito mais tarde na Rioja, a exportação de vinho para Bordéus, devido à semelhança do tipo de vinho, subiu drasticamente, acelerando o desenvolvimento vitícola. No final do século XIX, a região de Rioja desenvolveu‑se como o maior mercado de exportação, até aos dias de hoje. As variedades significativas desta região são a Garnacha tinta e o Tempranillo.

Cantábria. Devido à sua posição isolada e monta‑nhosa, foi pouco afectada pela conquista muçulmana e pôde preservar a sua cultura tradicional. No convento de San Beato de Liébana foram encontradas das mais importantes iconografias da Alta Idade Média, com algumas importantes imagens da vindima (ano 772 d. C., ver Fig. 73). Noutras regiões, perderam‑se os documentos religiosos, devido ao fundamentalismo dos ocupantes e dos seus militares, sendo estes ícones uma enorme raridade da época Cristã na Península Ibérica.

Castilla y León. No século XII, pinturas a fresco do tipo romano, na Basílica de S. Isidoro, em León, revelam a presença da viticultura (ver Fig. 72). O Verdejo de Medina del Campo já era, então, conhecido. Beñin (2009: 184) escreve: Bierzo, devido à posição no cami‑nho de Santiago, já no século I estava ligado à viticultura. Aqui se iniciou a fase vitícola‑clerical do século XIII. Nesse tempo, os vinhos da Ribera del Duero (no rio Douro espanhol) foram explorados de forma mais intensa, tal como hoje, até com plantações acima dos 1.000 m de altitude. Em Cigales, já antes dos Romanos havia vitivinicultura. Na Idade Média, vários castelos e conventos, especialmente da ordem de Cister, tal como monges da ordem borgonhesa de Cluny, se dedicaram à viticultura. Assim, no século XIII, os Claretes de Cigales tiveram um lugar de honra na mesa real.

No início do século XIV, o rei Afonso XII transferiu as vinhas de Toro para a catedral de Santiago de Compostela, a fim de suprir as necessidades de vinho da diocese. A ordenação de Oviedo, no ano 1274, pediu aos comerciantes para adquirir uma parte do vinho de Toro. No século XIII (Huetz, 2000: 12), também outros conventos, como Arbes, Valdediós, Meira, etc., tiveram legados do vinho de Toro. No ano 1437, existia uma directiva segundo a qual os enfermeiros receberam legados de vinho de Toro. Alonso Herrera referiu‑se, no século XV e XVI, a muitas regiões de vinho importantes, como Toro, Valladolid, Bierzo, Aranda del Duero, Tordesilhas e outras. O casamento de Henrique VIII (Inglaterra) com Catarina de Aragão, no início do seculo XVI, criou novas ligações comerciais com Inglaterra. Alain Huetz de Lemps (in Actas del I Encuentro de Historiadores, 2000: 11) refere que a cultura de vinho branco teve superior expansão no Douro espanhol, tal como acontece nos dias de hoje.

Os vinhos brancos da Tierra de Medina correspondem a mais de 26.000 ha, relativamente aos 9.000 ha do Rueda de hoje. Rueda estava, então, coberta de um labirinto de adegas. A produção de Claretes (vinhos rosados) da região de Burgos já ultrapassou 50.000 hl. Também a região de vinho tinto foi superior, pois havia rendimentos, fosse do vinho branco ou do tinto, abaixo de 1.000 lt por ha. Neste tempo, muitas vinhas se aproximaram das cidades. A Verdejo foi uma das primeiras castas a ser mencionada, embora os vinhos brancos fossem denominados “vinhos de Madrigal”, de acordo com o local de nascimento da rainha Isabel, a Católica. Este foi o vinho da mesa real. Com a invasão das pragas americanas, a viticultura desta região sofreu uma grande quebra. Após uma curta fase de grande procura por parte da França, com o problema da filoxera foram arrancadas as vinhas no final do século XIX. Na replantação, maioritariamente com híbridos franceses, baixou drasticamente a qualidade; na Rueda, a superfície vitícola desceu para pouco mais de 1.000 ha de vinha.

Valência, na fase difícil após a Reconquista, podia recorrer a um passado vitícola da época romana e pré‑romana, que parece não se ter perdido completamente na fase da ocupação muçulmana. No final do período medieval, Jaume Roig (1460) descreve as castas Monastrell e Bobal, além da Ferrandella e Negrella (Garnacha), as quais foram plantadas nas encostas de Valência e Cuenca, a altitudes de 600 a 1.000 m acima do nível do mar. Inovações desta época foram, por um lado, a destilação de aguardente com um aparelho chamado alambique; por outro, os vinhos generosos do tipo grego (composto com álcool e ervas aromáticas). O Fondillon de Alicante foi uma resposta à invasão turca nas ilhas gregas, com a consequente restrição religiosa à produção e comercialização de bebidas alcoólicas. Aqui também foi introduzida a variedade Malvasia da Grécia, conforme comunicação de Ramón Muntaner, Senhor de Xirivella. (J. Piqueras Haba, 2000).

Jerez de la Frontera, cidade a sul de Sevilha, muito cedo suscitou o interesse dos comerciantes internacionais. Os vinhos de Jerez obtiveram distribuição para Inglaterra com o casamento de Henrique VIII, no seu primeiro matrimónio, com Catarina de Aragão. Skakespeare, na sua obra Henrique IV, põe na boca de Falstaff um elogio ao vinho de Jerez. No tempo de Eduardo VII (Inglaterra), foram concluídos acordos relativamente ao vinho de Jerez. No reinado da sua filha Maria, casada com Filipe II, houve uma curta fase de prosperidade, perturbada pela tomada de posse da sua meia‑irmã, Isabel I.

Cádis, no século XVI, com o incremento das viagens marítimas para a América, viu instalarem‑se casas comerciais, em primeiro lugar, francesas (na maioria, de Limoges), mas também italianas e membros da Hansa, com tal intensidade que quase se podia falar de colónias estrangeiras (Cañín, 2008: 237). Nessa época, Cádis transformou‑se numa das cidades mais ricas do país e, subitamente, alvo de ataques de pirataria, inclusivamente de corsários ingleses. Numa invasão destas, em 1587, Francis Drake apropriou‑se de 3.000 barricas “Sack” (denominação popular do vinho Jerez em Inglaterra). Existe o plano de Francis Drake, com a concepção do ataque ao porto de Cádis em 1587, na Câmara Municipal de San Fernando (ver fig. 74).

Mais tarde, Porto de Santa Maria, devido à sua proximidade com a região vitícola, ganhou importância na carga marítima. Os vinhos tinham 12° a 16° de álcool, eram brancos e das castas Torrontés, Fergusano e Albillo. As primeiras adegas de maior dimensão pertenciam a famílias inglesas, que apreciaram este tipo de vinho devido à sua elevada capacidade de armazenagem. A partir do século XVIII, o vinho mudou, em conformidade com o actual paladar, para mais doçura e 18° a 20° de álcool, similar ao vinho da Madeira ou do Porto.

A capacidade de armazenagem das Adegas: Haurie, Gordon, Beigbeder, Lancaster e Harkon, em 1796, já foi de 1,5 milhões de “arrobas”. (Cañín, 2008: 242). Mais tarde, foram as famílias Domecq (1822), com a aquisição da adega Haurie, e outras, tais como a família Barbadillo, e o Conde de Burgos, Fernando González, e ainda William Garvey (irlandês), Duff Gordon e Osborn, González Byass e muitos outros. Na Inglaterra vitoriana, o Sherry teve um elevado posicionamento. (Katharina Groëssl, «Tipos de sherry en época Victoriana», in Actas del I Encontro de Historiadores).

A partir de 1858 (arquivo González Byass) existiam as seguintes categorias de vinho: Sherry Wine, Very Old Wines, Royal Pale, vinhos da marca Romana. Em 1866 houve um grande estímulo e diferenciação adicional conforme diferentes tipos de coloração: Pale, Golden e Brown. Mas, em princípio, contou a marca. Mais tarde, a classificação prosseguiu com Amontillado, Pajarete, Pedro Ximénez e «very Choice Wines». O conceito de uma forma jurídica para dar garantia da origem de acordo com a região geográfica e a definição da variedade e tipo de vinho no sentido de “marcas de origem” só ocorreu após a invasão das pragas americanas, na segunda metade do século XIX.

Na Catalunha existem documentos do ano 1348 referindo o devastar das vinhas com a moléstia e as más condições atmosféricas (Javier Soldevila, 2000: 207). Em numerosos documentos (contratos de feudo, actas notariais), há referências à existência de viticultura até ao século X e a ter havido muitas plantações novas no século XIII e XIV. As maiorias das parcelas eram pequenas. Senhores feudais tiveram o direito de subarrendar vinhas por uma quarta parta da vindima, mas adicionalmente os rendeiros tiveram de se comprometer a podar e vindimar gratuitamente as propriedades senhoriais. O vinho foi objecto de comércio; há documentos do ano 1305 comprovando a exportação de vinho para Maiorca e mesmo África do Norte.

Com a ocupação de Portugal pelos Espanhóis habsburguianos, acabou também o domínio ibérico nos mercados de vinho. A posição de Amesterdão, com as suas missões comerciais no Oriente e no Ocidente, reforçou‑se, apoiada pelos Judeus sefarditas com grande experiência económica, os quais emigraram devido às purgas religiosas na Ibéria, e pelos Huguenotes que preferiam o clima mais ameno dos Países Baixos à intolerância da sua ex‑pátria. Ocorreu então uma verdadeira mudança na “Geografia das bebidas” (Gaspar Martins Pereira, 2011). No século XVI e XVII entraram na moda os vinhos fortificados, bem como os vinhos doces. Foi o tempo dos “vinhos calibrados”. A ideia do comerciante holandês foi comprar vinhos de base barata e depois melhorá‑los e enriquecê‑los. A consequência foi uma queda dos vinhos do Porto e dos outros vinhos ibéricos deste segmento de mercado.

Finalmente, isso levou a uma guerra para pôr ordem nas regras no comércio do vinho. Com a guerra franco‑holandesa de 1672‑1678, pioraram as hipóteses da França, com um embargo aos seus vinhos. No tratado de Methuen, em 1703, entre Portugal e Inglaterra, como efeito adicional ao da guerra de sucessão ibérica de 1702‑1714, os portugueses recuperaram a sua posição, com uma rede comercial de Londres até Ohio, e o avanço vitorioso do vinho do Porto e da Madeira.

^