A Resposta do Velho Mundo

Foi um súbito e completamente inesperado desafio que apanhou o Velho Mundo numa difícil fase de reconversão. De acordo com os velhos membros comunitários, a nova concorrência, para além de difícil, era injusta, devido às proibições das tecnologias utilizadas pelos novos membros, com graves consequências nos custos e causando atrasos na vinha e na adega. Era inevitável o rompimento com os rígidos tabus de produção e autorizar as novas tecnologias acima referidas, também na UE. O que, embora com atrasos, acabou por acontecer.

Com a redução acentuada da “garantia do bom fim”, nos anos 80 foi possível iniciar um processo em larga escala para uma nova consciência da qualidade do vinho e do valor das castas. Enquanto a vitivinicultura espanhola, já nos anos 70, conseguiu encontrar uma resposta à oferta de grande volume, por esta altura, em concorrência com a oferta francesa, a portuguesa ainda foi pouco dinâmica.

Antes da abertura das fronteiras, que ocorreu de forma surpreendente por decisão conjunta dos políticos Mitterant e Kohl em 1994, os países ibéricos tiveram dificuldade em ultrapassar as fronteiras da UE. Anteriormente, como países terceiros, tinham dependido da política de contingentes e de alfândega; mas, ainda pior do que a carga financeira, em muitos casos, foi a imensa burocracia alfandegária que levantou uma barreira difícil de ultrapassar. Isso só melhorou com a eliminação das fronteiras.

 

PORTUGAL

Portugal teve, na política internacional, com o Vi‑nho do Porto, um papel importante; mas os vinhos de mesa ficaram fora da concorrência da oferta de grande volume. A qualidade destes vinhos variou muito e só em poucos casos teve aptidão para a exportação.

Em 1992 foi contratado, pelo Ministério da Economia português, o “Guru da estratégia económica” Michael Porter (americano, da Harvard Business School), director do Institute for Strategy and Competitiveness, cuja função era ultrapassar a barreira psicológica entre a actividade privada e a autoridade estatal, facilitar a comunicação entre estas entidades relativamente aos problemas vitivinícolas, conciliando os seus diferentes pontos de vista e poder sectorial quase omnipotente, tendo em vista a necessidade de um mercado liderado pelo sector privado.

A partir deste importante encontro, avançou‑se com a subdivisão das regiões vitícolas em regiões D. O. (refira‑se que os critérios administrativos e a influência regional das cooperativas nem sempre permitiram dar prioridade ao terroir homogéneo), sendo criadas comissões interprofissionais com os produtores (adegas, cooperativas, quintas e viticultores). Para estes foram transferidas as funções anteriormente administradas por funcionários públicos.

Com a necessidade de rever os conceitos estratégicos de exportação das grandes adegas nos anos 80, foi criada uma agência de promoção, a Viniportugal, para concertar os esforços e actividades dos interessados. Havia o problema de o Ministério já ter lançado, para este efeito, contribuições parafiscais, as quais entraram no orçamento público; o sector privado sofreu inicialmente com o duplo encargo.

No início, a mudança do pensamento relativamente ao investimento vitivinícola foi um processo financeiramente doloroso para o sector privado, em situação economicamente difícil. Para a resolução desta missão quase impossível, a Comunidade Europeia disponibilizou, nos anos 90, enormes verbas, a fundo perdido, para aquisição de meios de transformação vinícola. Alem disso, foram disponibilizadas, através do “Plano Vitis” (a partir de 1997, com o Decreto‑Lei n.º 83/97, de 9 de Abril), verbas para reconverter as vinhas velhas e também para renovar vinhas de castas erradas. Dispôs‑se, pela primeira vez, de material vitícola clonal e policlonal; de modo que, hoje em dia, cerca de metade das vinhas na Península Ibérica estão em condições concorrenciais com as dos outros países da UE.

A exportação cresceu rapidamente para o dobro e, cada vez mais, os vinhos caros são exportados. Cientistas, jornalistas e outros multiplicadores de opinião internacionais visitam Portugal individualmente, em grupos, ou para participar em congressos. Associações, federações e mesmo empresários conseguem influenciar os meios de comunicação, no sentido da produção de qualidade e a favor do sector privado ser ouvido nos processos de decisão. Isso reflecte‑se com grande sucesso em concursos internacionais e no reconhecimento da imprensa internacional. Assim, os vinhos portugueses, com a indicação das suas próprias castas, típicas e de alto valor enológico, passaram a ser recomendados pelos conhecedores, no plano comercial internacional. Após a pacificação de Angola, esta passou a ser um mercado de escoamento de vinhos portugueses de baixo preço.

O segundo Cluster Porter realizou‑se em 2003, com o grupo Monitor (ligado a Michael Porter). Este orientou‑se para o mercado e não conseguiu cumprir os objectivos, relativamente à coordenação da colaboração interactiva do sector privado com o público. Estava previsto rever os critérios de qualidade, ainda baseados em valores antigos, para uma nova componente orientada para o mercado, de acordo com o exemplo da vitivinicultura australiana, na qual a produção, ciência, ensino, educação profissional e o marketing dos agentes comerciais foi concertado numa política única. Pretendia‑se aproveitar a estratégia com que a Austrália entrou nos nossos antigos mercados, para conduzir Portugal aos mercados modernos.

Previa‑se uma “R&D Coordinating Agency” própria, de acordo com a australiana “Grape and Wine Reseach Development Corp.“, feita em Portugal para administrar uma parte adequada do dinheiro da UE orientado para a inovação técnica e comercial. Entretanto, a necessidade de meios do Estado para a sua própria organização científica não permitiu considerar os interesses profissionais desta forma e, provavelmente, a crise financeira que, no final desta década, se tornou um grave problema, não só nacional, impediu esta grande estratégia para o futuro.

Outra problemática surgiu duma conclusão do cluster Porter: a redução do espólio varietal. Deve referir‑se que o sector privado e a Viniportugal seguiram esta proposta. A definição das castas‑piloto e a redução do volume das castas aumentam o impacto no mercado. Assim, os australianos deram a sua opinião clara: uma casta de referência deve ser capaz de produzir bom vinho em grande volume (ver fig. 100). No cluster,  falou‑se das variedades Touriga Nacional e Arinto, tendo a primeira já seguimento na política vinícola de Portugal. Este postulado correponde à Campaign 1 do cluster Porter.

A intenção de sistematizar e dar prioridade às castas‑piloto, seguindo a “varietal rationalisation“ ainda está em concorrência com uma outra tendência, que já causou preocupação no cluster Porter (Campaign 4): a ideia do “Museum or other preserver of national heritage“. O cluster Porter foi um passo na direcção certa para o objectivo de fazer equivaler o vinho português com o do Novo Mundo da viticultura. A crise económica, a partir do fim da primeira década do novo milénio, aconteceu demasiado depressa, o grau de desendividamento das médias e pequenas empresas ainda é muito elevado. Como já foi dito, os objectivos definidos pelo cluster Porter exigem investimentos, e só com um repensar do processo inovativo podem ser atingidos os objectivos previstos.

 

ESPANHA

As novas denominações de origem não foram o novo Messias, como disse Cañín (1998: 450) de forma cínica, mas a estratégia deu uma base jurídica sólida ao verdadeiro produtor e finalmente resultou com o modelo de sucesso “vinho espanhol”. Empresários como Miguel Torres, a família Codorníu (instalação da maior “Colónia” vitícola europeia, com 2.000 ha em Raimat/Lleida) ou os proprietários da Freixenet, ou Marqués de Riscal, ou a famosa Vega Sicilia, apenas para citar alguns nomes, comprovaram o que os bons empresários têm que fazer. Mas também algumas quintas, cooperativas e adegas seguiram este caminho. Muitos empresários e empresas de outras actividades, basicamente de especulação na construção civil, garantiram, com elevada base financeira, a renovação do sector em Espanha. As castas estão em foco, em interacção com o terroir e a tecnologia de transformação adequada, com a consequência de viabilizar, cada vez mais, os vinhos espanhóis tradicionalmente objecto de explicação clara e compreensível: alta qualidade com preço competitivo e tipicidade regional. Não vale pena repetir as velhas regiões D. O., as quais continuam no seu caminho de sucesso. Há desenvolvimentos especiais que comprovam o dinamismo da viticultura ibérica.

Castilla – La Mancha é um caso especial na vitivinicultura mundial: é a maior região vitícola da Ibéria, com mais de 600.000 ha de vinha de uma variedade branca, praticamente só existente nesta região, mas com o maior volume varietal de todas as castas mundiais. Sozinha, já representa o terceiro maior país vitícola da Europa (F. Sánchez Rodríguez, 2000: 127). Após a adesão à U. E., tentou‑se transformar esta enorme região vitícola, da imagem de produtora de vinho de base e de massa barato para uma nova imagem. Em 1997, efectuaram‑se novas plantações da D. O. Almansa, da D. O. Mérida (1992 D. O. – 14.000 ha), D. O. Jumilla (desde 1975 D. O. – 50.000 ha), com elevados meios financeiros. Como região D. O., juntaram‑se depois Modéjar (1997 D. O. – 2.100 ha), La Mancha (1997 D. O. – 178.107 ha) e Valdepeñas (1997 D. O. – 16.000 ha).

Basicamente, foi escolhido e promovido o vinho tinto com as castas Tempranillo (Cencibel), Cabernet Sauvignon e Alicante Tintorero, em Almansa, e, no caso dos vinhos brancos, o Macabeo, Chardonnay e ainda, em Mérida, o Albillo. Ao mesmo tempo, reduziu‑se a área para 100.000 ha (dimensão da região vitícola da Alemanha). As vinhas de La Mancha permanecem numa situação única, em todos aspectos, na Comunidade Europeia e, sem dúvida assim vão continuar ainda algum tempo.

Deve ser referida a D. O. Rías baixas: enquanto, em 1987, 492 viticultores tratavam 237 ha e produziam 5.850 hl de vinho, totalmente consumidos no próprio país, em 1997 já foram mais de 4.000 viticultores a lavrar 2.000 ha e a produzir mais de 60.000 hl, dos quais 10% foram exportados. Esta tendência desenvolveu‑se continuamente. Tal sucesso quase milagroso depende de uma única casta: o Alvarinho, já com muita fama nos anos 70 em Portugal, mas entretanto significativamente ultrapassada pelos galegos. Cerca de 97 % das uvas desta região são desta casta. Uma tecnologia de transformação extraordinária e óptima relação casta/terroir valorizaram este vinho, na minha opinão, a melhor casta de zona quente em todo mundo. A instalação de novas vinhas nesta região montanhosa somente é possível com elevada mobilização de terra e o preço alto é factor limitante para a sua expansão.

Ainda outra história de sucesso recente é protagonizada pelo Verdelho de Rueda, um segundo grande vinho branco, a nível mundial, de origem espanhola.

^